quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Head in the sand?




Como é que se deixa de ser acompanhante?
Não me estou a referir ao deixar de oferecer intimidade e bom sexo em troca de um valor predefinido.
Estou a pensar em como é que será que se lida mental e emocionalmente com isso, nesta sociedade. Como é que se volta a ter intimidade duradoura com alguém? Enfiamos a cabeça na areia e fingimos que não sabemos o que aprendemos em relação à natureza humana e à sexualidade masculina? Apaixonamo-nos, construímos e acreditamos mesmo que aquele homem não vai ser como a maioria dos que nos visitam? Que não vai ter uma vida oculta onde procura a variedade e as novas experiências?
E nós? Mentimos? Ocultamos? Fazemos mesmo de conta que aqueles meses ou anos não existiram?
Como é que se faz? Fica um ratinho lá dentro a roer, a sofrer, a perceber que não sendo mais aberta a novas experiências e a pequenas loucuras, o homem vai mesmo fazê-las sem nós?

Comentei um destes dias em gabinete que não tenciono contar a futuros relacionamentos este período da minha história de vida. Não acredito que conheça alguém com a abertura de espírito para aceitar isso como apenas um percurso de vida diferente, onde se fizeram aprendizagens.

Imagine-se:
- Amor, estive durante alguns anos a fazer trabalho voluntário em África e na América do Sul.
- Fantástico, amor! Deves ter passado por experiências incríveis! Queres contar me algum momento especial?

A alternativa:
- Amor, estive durante alguns anos a trabalhar como acompanhante, em Lisboa. Aprendi imenso sobre a natureza humana e sobre as pessoas.
-...

Não me parece que tivesse um desfecho à filme, onde os protagonistas se abraçam e caminham, felizes, em direcção ao pôr do sol

A outra alternativa é não dizer nada sobre esses anos perdidos no éter da sociedade, chegar um belo dia a casa e dizer:
- Amor, estive a pensar e acho que, por muito que nos amemos, precisamos ambos de variedade e de sair da rotina. Queres fazê-lo em conjunto? Eu preferia, mas se não te sentires à vontade podemos sempre faze-lo separadamente. O que achas?
-...


Acabaram-se as alternativas deste lado... Não consigo conceber enfiar a cabeça na areia e fazer de conta que vou ser a mulher tranquila, que finge aceitar que, o que não sabe, não a afecta. Que finge não saber que o homem, por muito que goste e queira construir, não deixa de ser homem. Que finge não ter necessidades dela própria.
É que já não preciso de assegurar que alguém me ajude a cuidar dos meus filhos. Já o fiz.
Não preciso de compromissos nem de relacionamentos assentes em pressupostos que servem o lar e os filhos, mas não servem o casal.

É óbvio que ainda nada disto se passou, mas tenho imensa curiosadade em saber como é que outras mulheres lidaram com estas questões.
E tenho imensa curiosidade em perceber qual o formato que vou inventar, para lidar com isso.

10 comentários:

  1. O desafio é interessante, Joana. E convidaste as mulheres a participarem, o que enriquecerá o debate … se elas intervierem. Serão, certamente, pontos de vista distintos, os dos homens e os das mulheres. E os dos homens já deves ir conhecendo!
    Quanto aos das mulheres, de uma forma geral, elas têm, perante os problemas familiares e sociais que se vão colocando ao longo da vida, posições muito mais tolerantes e flexíveis do que os homens. Estão mais preparadas para enfrentar situações novas. E haverá muitas mulheres que já passaram e pensaram na questão que colocaste. Oxalá correspondam ao convite. Estou muito curioso em ver o que daí vai sair.
    Dizes tu “….não tenciono contar a futuros relacionamentos este período da minha história de vida. Não acredito que conheça alguém com a abertura de espírito para aceitar isso como apenas um percurso de vida diferente, onde se fizeram aprendizagens”. Tu conheceste muitos homens, o que, à primeira vista, dá sustentação estatística ao teu juízo. Mas pode perguntar-se se os que conheceste podem ser considerados uma amostra representativa do todo – será que as diversas minorias estão representadas?
    Eu, pessoalmente, admito que haja quem tenha abertura de espírito e coragem para fazer uma vida a dois com uma ex-acompanhante. A diversidade humana é infinita. Como explicar o aparecimento de uma Madre Teresa de Calcutá, de um Nelson Mandela ou de um Aristides de Sousa Mendes se não aceitarmos que há minorias que fogem às regras sociais estabelecidas, que se regem por suas próprias cabeças?
    O que me parece é que uma vida a dois tem de ser construída na base da verdade. Começá-la com fingimentos ou mentiras é condená-la ao insucesso. Por isso, a tua decisão “….não tenciono contar a futuros relacionamentos este período da minha história de vida” não me parece de todo acertada.

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    1. Olá :)
      Obrigada pela participação!
      As questões que coloco são hipotéticas e gerais... Não faço a mais pequena ideia de como se lida com uma situação destas. Mesmo antes de entrar nesta actividade, não teria qualquer problema em ter um relacionamento com alguém que fosse ou tivesse sido acompanhante... Homem ou mulher. Isso iria dizer me tanto da pessoa como dizerem-me que eram advogados, terapeutas, gestores ou administrativos. A profissão ou actividade que exerce serve para perceber o contexto da pessoa e não quem ela é. Portanto, tenho noção que pertenço à minoria. E, como eu, deve haver por aí muito mais gente.
      Depois de uma noite dormida sobre o que escrevi também percebi que não se coloca tanto a questão de contar ou não, mas sim, da triagem que vou naturalmente fazer no que toca a futuros relacionamentos. A mentira e omissão graves não são tranquilas para mim. E sei que acabaria por sentir a necessidade de partilhar. Se não houver espaço para partilha é porque o relacionamento é uma farsa... Para mim.
      Beijos

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  2. Olá Joana.
    Desafio aceite.
    Na realidade, e se bem percebi as tuas palavras, a questão subdivide-se em duas vertentes: por um lado se num teu futuro relacionamento a pessoa em causa deve ou não ter conhecimento do teu passado como acompanhante, e por outro que essa pessoa tenha, à falta de melhor palavra, uma “abertura de espirito” para aceitar a tua bissexualidade e poliamorosidade – ou seja que nessa relação esteja disposta a (activa ou passivamente) “partilhar-te com outros” (mais uma vez não é a melhor escolha de palavras, mas creio que me faço entender).
    A minha modesta opinião…(ou seja como hipoteticamente eu, como homem, poderia encarar essa situação se fosse a pessoa em causa):
    Sobre a primeira questão não há qualquer dúvida para mim – Não funciono com mentira de qualquer forma ou feitio, pequena ou grande, por isso nunca perdoaria a ninguém que, no início da relação, não me dissesse a verdade sobre o seu passado….E confrontado de início com o facto como reagiria? Bom…e agora puxando à “lamechice” diria que “love conquers all” ou seja se estivesse realmente apaixonado pela pessoa em causa estaria disposto a aceitar esse passado entendendo-o num registo de como referes “como apenas um percurso de vida diferente, onde se fizeram aprendizagens”
    A segunda questão é mais “tricky”…sinto-me dividido… Pessoalmente, e como também não me considero uma pessoa convencional, abomino a rotina dentro de uma relação, e como acho que os limites de uma relação a dois podem (e devem) esticar-se até onde os dois se sentem confortáveis, até poderia considerar embarcar nessa aventura…Mas isto é a racionalização teórica…a prática (que nunca experienciei) pode-se revelar um pouco diferente. Se calhar, embora me considere um espirito aberto em pleno seculo XXI (e ateu “by the way”), provavelmente ainda há alguns resquícios de machismo no meu DNA que provavelmente me deixariam desconfortável ao imaginar partilhar a minha parceira sexualmente com outro homem (nenhum problema com outra mulher…aliás essa é a “ultimate sexual fantasy” masculina certo?).
    Sejamos realistas…não creio que será fácil encontrar essa pessoa…mas também não vou tão longe quanto o que MMPM referiu no seu comentário de que são precisas pessoas tão excecionais e fora do comum para aceitarem e se reverem nas premissas que definiste para o relacionamento.
    Diria até que a situação em que terás mais probabilidade de encontrar o “tal” será através da tua atual vivência como acompanhante, ou seja um cliente com que se apaixone por ti (e tu por ele como é óbvio). Se não vejamos, a primeira questão está ultrapassada – ele sabe perfeitamente da situação porque a vive em primeira mão e a aceita. O único senão é que este cenário colide com o 1º Mandamento da Acompanhante “não te envolverás emocionalmente com o teu cliente”.
    Pois é, quem diria, o mundo não é perfeito….
    Bjs

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  3. Nenhuma solução é a solução certa.

    Por impulso, diria que, sendo o sapiens o que é, há uma elevadíssima probabilidade de, revelando "o segredo", se instalar uma atmosfera de suspeita permanente. Se "o segredo" já não existir - isto é, se acompanhante e potencial parceiro se tiverem conhecido nesse contexto de universo sexual paralelo -, aí... poderá ser até pior: suspeita a dobrar. Para ambos os lados.

    Gostava de viver num mundo, não digo "perfeito" mas um bocadinho melhor, em que o tumor maligno da posse, da territorialidade e do seu filho demente - o ciúme - já tivesse sido extirpado. Parece que ainda estamos longe disso e que, "tant bien que mal", teremos de lidar com ele. O fdp do deus bíblico (para os crentes) ou a "horrorosa Natureza pseudo-mãe", segundo os GNR (para os ateus como tu e eu), fez-nos assim.

    É fodido mas é o que temos. Uns mais do que outros, mas, suponho, ninguém livre dessa condição.

    Dito isto, és uma gaja do caraças. :-)

    Tinoni

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  4. I've actually had this conversation before, and I keep coming back to the idea that it comes down to trust and confidence. Speaking from the other side, sex workers have a skill set that ranges from therapist to emotional labor to manipulation. A fellow must have the confidence in themselves that they won't be manipulated before they can find their way to the rest of it. And that is assuming they have an open mind in the first place.

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  5. Joana,
    Da minha experiência, essas questões ultrapassam-se todas nós momentos das paixões.
    Tantos clientes que se apaixonam por acompanhantes, aceitando tudo e mais alguma coisa para ficar com elas... até ser manipulados quando não são correspondidos...
    Tu és uma mulher que me parece muito bem resolvida e com um espírito já de si "desafiante", mesmo excluindo o facto se seres "acompanhante".
    Pessoalme imagino que terias um problema quando um dia decidisses que ias passar a ser alguém que não és... e para isso, tivesses de encarnar um personagem incompatível com a tua personalidade.
    Se um dia encontrares esse alguém, que te desperta interesse e vontade de estar mais, essa pessoa será provavelmente capaz de "encaixar" o teu passado, ou presente, pois não te imagino a cair por alguém que não o faça...

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  6. Sinceramente não sei qual seria a solução... talvez não dizer nada sobre esse período e seguir em frente... afinal todos temos os nossos segredos...

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  7. Olá. Vim aqui parar vindo do fórum onde li a tua Hot Line. Queres uma opinião honesta ? Se no futuro encontrares alguém que gostes e com quem queiras
    construir uma relação, mente (ou pelo menos omite) sobre a vida que tiveste como acompanhante. Pelo relato do teu blog vejo que tens esta atividade há cerca de 2 anos. Mesmo que tenhas muitos clientes fixos e que se repetem não é difícil imaginar que, neste tempo, tenhas convivido intimamente com provavelmente mais de 100 ou 150 homens diferentes. Certo? Achas realmente que haverá alguém que aceite pacificamente ter uma relação com uma pessoa que traz toda esta “bagagem” psicológica para cima da mesa? Bjs

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    1. Olá anónimo... Percebo o que dizes. Mas isso a que chamas bagagem psicológica chama se experiência. E se o homem considerar como bagagem só posso assumir que é inseguro. Uma coisa é não conseguir lidar com o preconceito, o que aceito. Outra é achar que é demasiada bagagem... Isso é insegurança.
      Mentir está fora de questão. Omitir também duvido muito... Se o homem não souber lidar com isso é porque não é o certo para mim. A minha questão neste momento até se prende mais com a abordagem à necessidade de fidelidade...
      Beijos e obrigada por participares

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  8. Não sabes quem sou nem te lembras do que te disse...que não teria qualquer problema em assumir uma relação com uma ex-acompanhante, se a paixão fosse mútua, se os estímulos que vão para além do sexo fossem mútuos, se a vontade e sofreguidão de usufruir a vida em comum fosse mútuo.
    E, se ela gostasse, como eu, do "swinging lifestyle", teríamos uma vida a dois, excitante, a complementar tudo o resto que o universo nos proporciona durante algumas décadas!

    Agora, na sociedade em que vivemos, ou melhor, onde vives, a probabilidade de encontrares esse homem e/ou mulher, ou sentir a sensação de pertença e inclusão adicional em grupos menos ortodoxos (onde também as relações poliafectivas são menos incomuns) reduz-se imenso. Como sabes, os padrões sociais e culturais do nosso jardim atlântico ainda sofrem de um anacronismo crónico. Vê-se isso na homofobia, na exclusão de minorias, até na parca existência de relações amorosas entre pessoas de etnias diferentes, na virulência com que se propagam discursos de ódio de todo o tipo...

    Enfim, emigra, és uma mulher inteligente e ainda és jovem (sim, és), talvez seja mais fácil! :-)

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