quarta-feira, 29 de março de 2017

Lamento

Hoje é a minha vez de dizer lamento.... com um misto de desilusão comigo mesma e de determinação na decisão tomada a quente. 

Vezes e vezes sem conta nestes quase seis meses assisti a colegas minhas fazerem marcações sem o mínimo de consideração por si próprias ou pelos clientes. Marcações sem intervalos de descanso, marcações sobrepostas porque, de certeza, haveria alguém que podia não vir....

Tenho cuidado de me dar intervalos, no mínimo, de cerca de vinte minutos a meia hora entre marcações. Quem já esteve comigo percebe porque. Porque sou multiorgásmica e porque o meu nível e profundidade de entrega é grande. Preciso de descansar, de tomar um café, comer qualquer coisa, arrumar e limpar o quarto, fumar um cigarro (sim, fumo!), pôr roupa a lavar ou a estender ou dobra-la e arruma-la. Porque preciso desse tempo para me sentir inteira, presente e atenta para a próxima pessoa que vou atender. Porque preciso de uns minutos para respirar fundo e deixar-me apenas Ser e Sentir.

Inevitavelmente, ao fim de um dia, acontecem atrasos. Não costumam ser mais que cinco ou dez minutos mas acontecem. 

Hoje marquei o último cliente do dia e, quase em cima da hora marcada, percebo que estou mais atrasada que o habitual. Não tenho o quarto arrumado, ainda não tomei banho e não comi nada nas últimas 4 horas. Envio uma mensagem ao cliente a avisar que estou cerca de 15 a 20 minutos atrasada. Não sei, nem imagino, as voltas que esta pessoa teve de dar à sua rotina para ali estar aquela hora. E sei que posso estar a interferir com a sua vida pessoal mas é exactamente por o valorizar que preciso desse tempo. Para poder estar nas melhores condições físicas, mentais e emocionais. Para poder estar ali para ele.

Passado alguns segundos recebo uma mensagem de volta com o texto: "A essa hora só posso uma rapidinha. 40 euros?"

................................ demoro alguns minutos a digerir a resposta, enquanto adiantava as coisas no quarto. E percebo que a pessoa que ia encontrar pela frente e com quem ia partilhar o meu corpo não valoriza o que lhe ofereço. 

Quem já me visitou sabe que não peço o dinheiro pelo serviço que presto no ínicio. Sabe que tento ao máximo ignorar esse factor. Pode não saber porque, mas já o deve ter percebido. Sabe que, no momento do pagamento peço para deixarem o valor numa caixa e não vou conferir imediatamente. Deixo isso à honestidade e consciência de cada um. A minha fica tranquila porque recuso-me a ver os meus clientes como cifrões. Preciso, como é óbvio, do pagamento. É justo e foi o acordado previamente. Cada um foi informado dos tempos, valores e do único extra que cobro. Mas não quero olhar para o homem que me aparece à frente como um porta-notas. Quero olhar para ele como pessoa, como homem, como prazer.

Perceber que a última pessoa do dia estava a tentar negociar algo que não é negociável, num momento em que já não tinha força anímica para ser razoável e dar mentalmente a volta à questão fez-me dar como cancelada a marcação. Enviei uma mensagem de volta a dizer que não e que lamentava o meu atraso e a tentativa de negociação dele..... e mentalmente cancelei a marcação. 

Explicar por mensagem àquela hora que nunca em tempo algum seria capaz de estar de forma intima e profunda com alguém que tinha acabado de desvalorizar a minha entrega, o meu corpo e a necessidade de sustento está além das minhas capacidades. Explicar ao telefone também não teria os melhores resultados para nenhum dos dois. Percebo, meia em choque, passado alguns minutos que a pessoa continuava à minha espera........ e não disse nada. Não sabia o que dizer e continuo a não saber muito bem o que dizer.

Como é que se explica algo que deveria ser perfeitamente óbvio? Como é que se regateia os valores de algo tão intimo e profundo? Tenho a certeza que a pessoa nem pensou. Atirou barro à parede para ver se colava.... mas ele não está propriamente a comprar prateleiras do ikeia no olx (passe a dupla publicidade). Está a trocar a minha intimidade por um valor.... sei a profundidade de entrega que tenho. Não estou apenas a abrir as pernas..... e definitivamente não sou uma boneca insuflável.

Fiquei riscada na "lista" de alguém.... é a vida. A verdade é que qualquer um dos homens que me visita ou telefona pode achar o que quiser sobre mim. Pode pensar o que quiser e ter as atitudes que quiser. Mas a única pessoa que me pode valorizar ou desvalorizar... sou eu mesma.






quarta-feira, 22 de março de 2017

Dia Mundial da Poesia

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

David Mourão-Ferreira

domingo, 12 de março de 2017

Legislar a Prostituição?

Muito se tem lido e falado sobre a legalização da prostituição e as opiniões são quase todas preconceituosas e altamente enraizadas numa cultura judaico-cristã, de pecado e negação. É chocante, sem ser novidade nenhuma, perceber o quanto a maioria das pessoas se indigna com este tema. Com este e com outros em que a Mulher ganha poder sobre si mesma. Sim, porque ao contrário do que muito se fala, a mulher ganha poder com este processo. Não o perde, não é nem mais nem menos explorada do que se estiver a trabalhar 10 horas de pé num supermercado. A quantidade de vezes que chego a uma loja ou a um supermercado e me apercebo que aquela pessoa (homem ou mulher) está de pé no seu posto de trabalho, sem um apoio, sem um descanso para os pés, sem um banco alto.... de propósito, porque as entidades patronais não querem....

Tenho conhecido algumas mulheres nesta profissão.... e quase todas elas têm algumas circunstancias em comum: saíram de separações ou divórcios com filhos e em situações financeiras muito complicadas. Complicadas o suficiente para dar o passo de desespero e coragem para a prostituição ou para as massagens sensuais, que acabam também, mais cedo ou mais tarde, por seguirem pela prostituição. Pela tal do sindicado ou valores um pouco mais altos ou mais baixos. Essas são as que entram porque é uma opção.

Não estou a falar de miséria humana. Não estou a falar de mulheres e homens dependentes de aditivos químicos que lhes consomem os recursos financeiros ao ponto de não se reconhecerem e fazerem qualquer coisa pela próxima dose. Não estou a falar de pessoas que estão ilegalmente no país e onde a perspectiva de um contrato de trabalho é quase nula e acabam nalguma "casa" com os documentos cativos pelos proprietários. Não estou a falar de mulheres que são obrigadas a se prostituírem pelos "namorados", que são violentadas por quem as devia proteger e são tratadas como escravas sem quaisquer direitos.

É que a legislação, a ser aprovada, não aquece nem arrefece o primeiro grupo de mulheres.... vão continuar a tentar fugir aos imposto ou vão declarar (se declararem) o mínimo para as finanças não as chatearem e, aposto, que a passarem recibos vão ser apenas "prestadoras de serviços".

Mas o segundo grupo, vai ser reconhecido por aquilo que é. Vitimas. Não são as mulheres que se prostituem que precisam de ser reguladas, mas sim as casas que as exploram. 

Sim, as casas que as exploram. Porque, apesar de fazerem falta, a grande maioria não oferece as condições mínimas de conforto às suas trabalhadoras. A perspectiva é puramente comercial, como se de uma venda de carne se tratasse e onde as mulheres são tratadas como gado. Uma das casas onde estive e de onde saí, a proprietária chegou a verbalizar essa opinião (de que éramos gado) entre a soberba de estar a ganhar dinheiro ás nossas custas e o pouco ou nenhum valor que nos dava. Tínhamos um espaço pequeno para comer e descansar, sem cadeiras, onde se encafuava a caldeira, um frigorifico, uma mesa e uma única cadeira.... onde ela se sentava. Os clientes eram muito bem tratados.... mas os tempos eram controlados ao segundo e se pudesse ser menos tempo.... melhor. Perdi a conta à quantidade de vezes que levei grandes ralhetes, como se de uma criança se tratasse, por passar dez minutos do tempo "contratado" ou por não ter roubado tempo ao cliente. E estas não são as piores!! 
Porque existem realmente piores.... daquelas que alguns clientes tanto gostam, onde as mulheres ganham nada ou quase nada, porque os preços são baixos e, podem ter a certeza, os proprietários ficam SEMPRE com pelo menos 50% do valor que o cliente paga. Só conheci uma casa onde as comissões eram diferentes, quando entrei. Sei que algumas casas aumentam a percentagem para tentar angariar mulheres.... mas, mais uma vez, que direitos e deveres, essas casas deveriam ter?? E volto a referir essas não são as piores.
Existem casas onde as mulheres vivem presas, violentadas, espancadas, torturadas e sem qualquer direito a saúde, a liberdade, onde toda a humanidade lhes é retirada e são tratadas como escravas... nos dias de hoje.

A legislação, a ser aprovada, espero que venha lançar luz a essas questões e venha a regular, mais que as prostitutas em si, quem as explora ou tenta explorar. 

Esse, sim, era o tema que deveria ser discutido.... e é triste e chocante perceber que a grande maioria das pessoas não está minimamente desperto ou atento a essas nuances. Perdem-se em discussões sobre o sexo dos anjos, sobre semântica e conceitos morais. Falam sem conhecer uma realidade e esquecem que uma sociedade deve proteger e integrar todos os que a constituem.

Pequena Morte

É sobre prazer que escrevo...
Profundo, voluptuoso, turgido.
Sobre prazer, luz intensa
Que nos inunda e nos encaminha à morte.

É sobre prazer que sinto, que murmuro,
que gemo suavemente;
Prendo os gemidos nos lábios,
Trinco-os e saboreio cada onda antes do fim.

Cada onda, cada vaga
Que se contorse e explode,
Percorrendo as falésias do corpo
Num tremor crescente que nos leva,
Violentamente, da queda à pequena morte.

Essa, a luminosa, repleta, cheia,
Redonda e plena, em que nada existe,
Onde tudo começa e termina,
Onde os murmúrios se transformam em vida.

Quando todos os sentidos se conjugam,
Fundem e transformam,
Deixando-nos imersos, perdidos
No silêncio de qualquer ideia de nós.




segunda-feira, 6 de março de 2017

Prostituição e a História Americana


A propósito de algumas conversas sobre a "profissão mais antiga do mundo", independência financeira e valores morais. 
Um bocadinho de história (americana) que não vem nos livros da escola ;)





* Beijos *