domingo, 12 de março de 2017

Legislar a Prostituição?

Muito se tem lido e falado sobre a legalização da prostituição e as opiniões são quase todas preconceituosas e altamente enraizadas numa cultura judaico-cristã, de pecado e negação. É chocante, sem ser novidade nenhuma, perceber o quanto a maioria das pessoas se indigna com este tema. Com este e com outros em que a Mulher ganha poder sobre si mesma. Sim, porque ao contrário do que muito se fala, a mulher ganha poder com este processo. Não o perde, não é nem mais nem menos explorada do que se estiver a trabalhar 10 horas de pé num supermercado. A quantidade de vezes que chego a uma loja ou a um supermercado e me apercebo que aquela pessoa (homem ou mulher) está de pé no seu posto de trabalho, sem um apoio, sem um descanso para os pés, sem um banco alto.... de propósito, porque as entidades patronais não querem....

Tenho conhecido algumas mulheres nesta profissão.... e quase todas elas têm algumas circunstancias em comum: saíram de separações ou divórcios com filhos e em situações financeiras muito complicadas. Complicadas o suficiente para dar o passo de desespero e coragem para a prostituição ou para as massagens sensuais, que acabam também, mais cedo ou mais tarde, por seguirem pela prostituição. Pela tal do sindicado ou valores um pouco mais altos ou mais baixos. Essas são as que entram porque é uma opção.

Não estou a falar de miséria humana. Não estou a falar de mulheres e homens dependentes de aditivos químicos que lhes consomem os recursos financeiros ao ponto de não se reconhecerem e fazerem qualquer coisa pela próxima dose. Não estou a falar de pessoas que estão ilegalmente no país e onde a perspectiva de um contrato de trabalho é quase nula e acabam nalguma "casa" com os documentos cativos pelos proprietários. Não estou a falar de mulheres que são obrigadas a se prostituírem pelos "namorados", que são violentadas por quem as devia proteger e são tratadas como escravas sem quaisquer direitos.

É que a legislação, a ser aprovada, não aquece nem arrefece o primeiro grupo de mulheres.... vão continuar a tentar fugir aos imposto ou vão declarar (se declararem) o mínimo para as finanças não as chatearem e, aposto, que a passarem recibos vão ser apenas "prestadoras de serviços".

Mas o segundo grupo, vai ser reconhecido por aquilo que é. Vitimas. Não são as mulheres que se prostituem que precisam de ser reguladas, mas sim as casas que as exploram. 

Sim, as casas que as exploram. Porque, apesar de fazerem falta, a grande maioria não oferece as condições mínimas de conforto às suas trabalhadoras. A perspectiva é puramente comercial, como se de uma venda de carne se tratasse e onde as mulheres são tratadas como gado. Uma das casas onde estive e de onde saí, a proprietária chegou a verbalizar essa opinião (de que éramos gado) entre a soberba de estar a ganhar dinheiro ás nossas custas e o pouco ou nenhum valor que nos dava. Tínhamos um espaço pequeno para comer e descansar, sem cadeiras, onde se encafuava a caldeira, um frigorifico, uma mesa e uma única cadeira.... onde ela se sentava. Os clientes eram muito bem tratados.... mas os tempos eram controlados ao segundo e se pudesse ser menos tempo.... melhor. Perdi a conta à quantidade de vezes que levei grandes ralhetes, como se de uma criança se tratasse, por passar dez minutos do tempo "contratado" ou por não ter roubado tempo ao cliente. E estas não são as piores!! 
Porque existem realmente piores.... daquelas que alguns clientes tanto gostam, onde as mulheres ganham nada ou quase nada, porque os preços são baixos e, podem ter a certeza, os proprietários ficam SEMPRE com pelo menos 50% do valor que o cliente paga. Só conheci uma casa onde as comissões eram diferentes, quando entrei. Sei que algumas casas aumentam a percentagem para tentar angariar mulheres.... mas, mais uma vez, que direitos e deveres, essas casas deveriam ter?? E volto a referir essas não são as piores.
Existem casas onde as mulheres vivem presas, violentadas, espancadas, torturadas e sem qualquer direito a saúde, a liberdade, onde toda a humanidade lhes é retirada e são tratadas como escravas... nos dias de hoje.

A legislação, a ser aprovada, espero que venha lançar luz a essas questões e venha a regular, mais que as prostitutas em si, quem as explora ou tenta explorar. 

Esse, sim, era o tema que deveria ser discutido.... e é triste e chocante perceber que a grande maioria das pessoas não está minimamente desperto ou atento a essas nuances. Perdem-se em discussões sobre o sexo dos anjos, sobre semântica e conceitos morais. Falam sem conhecer uma realidade e esquecem que uma sociedade deve proteger e integrar todos os que a constituem.

3 comentários:

  1. Olá, Joana. Não sei se está a par desta notícia.

    https://www.theguardian.com/society/2017/apr/02/northern-ireland-sex-worker-overturn-ban-hiring-escorts

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    1. Não estava.... nem sabia que é essa a realidade no norte da irlanda. Arrepiante!
      Haja gente com coragem para desafiar leis que se baseiam em pura hipocrisia enraizada e disfarçada de moralista, fruto de centenas de anos de catolicismo...

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  2. Eu já vi alguns debates sobre isto no YouTube, a porra da religião e dos valores morais católicos a falar daquilo que perpetua como algo a irradicar. Mas nunca tinha ouvido uma mulher vivida e que sabe aquilo que diz falar disto.
    Há muitos anos atrás alguém a quem chamo "a harpia", talvez saibas de quem estou a falar, ofereceu-me um desconto de bom cliente, 50€ meia-hora, 80€ uma hora. Disseram-me depois as miúdas que lhes retirava a totalidade a elas, não sei se me mentiram mas não duvidei que lhes tirava a metade. Sabes o que fiz? Aceitava a promoção de dáva-lhes atotalidade a elas. Depois passei a recebê-las em minha casa, after-hours. É pouco, mas vai-se fazendo o que se pode.
    Venha a legislação, as inspecções sanitárias, o uso regulamentar do preservativo.
    Que eu quero comer mulheres saudáveis e respeitadas, que se sintam bem pagas. Melhora sempre o atendimento.
    Não vou fingir que me preocupo assim tanto com o bem-estar dos outros, mas se o seu bem-estar aumenta o meu, como posso recusar?

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